É muito comum a identificar o exercício da advocacia com um padrão engessado e extremamente formal. Tanto para o cliente e até mesmo para quem advoga.
Como advogadas por vezes questionamos nossa postura, nossa imagem, nossa linguagem. Revisitamos nossos valores, nossa missão. Comparamos com o modelo de escritório que se espera. Ou pelo menos se esperava até algum tempo atrás.
No entanto, um processo não é somente um número; trata-se de uma vida, ou várias vidas, além de amores feridos e expectativas não contempladas.
Entendemos que nosso atendimento deve ser individualizado, mediante escuta ativa, aliada a técnicas de comunicação não-violenta.
Essa postura buscamos exercer não somente com nosso cliente, mas também com a parte contrária e especialmente com nossos colegas de profissão, como por exemplo, na forma de elaborar uma petição a ser juntada nos autos.
Advogar não é bancar a heroína; requer muita paciência e saber principalmente o nosso lugar como profissional de ajuda dentro das relações conflituosas.
Não vemos o conflito como algo ruim, mas como uma possibilidade de crescimento. Até porque ninguém merece ser visto só por sua luz ou apenas pela sua sombra. O bom e o mau está presente em todos nós.
Precisamos ajustar nosso olhar para o que queremos fazer prevalecer em nossas vidas.
Há um movimento de já alguns anos sobre a humanização de muitas profissões e não deve ser diferente com a advocacia.
Trata-se de dar humanidade para o exercício da profissão. E humanidade enquanto empatia, compaixão, ou seja, o reconhecimento pelo outro de que somos iguais e todos temos necessidades a serem supridas.
Parece óbvio, mas requer reflexão para tratamento dos conflitos levando em conta a existência e as dores daquele ser humano.
Em que pese não exista receita ou um código de regras sobre como lidar com todas as situações relacionais ao falarmos de advocacia humanizada, observamos que devemos estar atentas aos sinais que os clientes, advogados, juízes nos fornecem, sejam pela linguagem verbal, seja corporal...
Tivemos uma cliente que foi bem complicada de lidar. Cada vez que precisávamos falar com ela, era penoso. Parecia que ela me odiava. Uma vez liguei pra ela, a fim de informar sobre uma nova audiência que tinha sido designada para finalmente o juiz ouvir as testemunhas arroladas.
Era um caso de dissolução de união estável, guarda da filha, visitas, pensão alimentícia e partilha de bens. Quando ela atendeu minha ligação e eu perguntei se estava tudo bem, como é comum, ela respondeu prontamente com rispidez: “Não está tudo bem, porque quando você me liga é só notícia ruim.”
Do ponto de vista técnico do processo, eu nunca dei notícia ruim. Meu contato foi para avisar de outra audiência e sobre movimentações processuais muito simples e corriqueiras para o advogado o profissional da advocacia.
Porque ela não me aguentava mais? Não aguentava o processo? Não suportava o ex-companheiro que era péssimo e só trazia desgosto?
Na realidade, ela já não tinha contato com ele há muito tempo, meses, anos, só se encontravam quando ele buscava a filha ao exercício da convivência entre filho e pai.
Quando eu mencionava a palavra acordo, ela ficava mais irritada ainda, porque o ex-companheiro não era de confiança e então não teria nunca como fazer qualquer acordo com aquele “tipo” de pessoa.
De forma muito resumida, quando fomos à audiência de instrução e julgamento, a oitiva das testemunhas foi dispensada, tendo em vista a realização de acordo provisório que veio a ser ratificado posteriormente em outra audiência.
Ela saiu aliviada. Me agradeceu. Ainda pediu desculpas por não ter sido muito simpática comigo.
Antes disso, entre uma audiência e outra ela me ligava toda semana e era quase 30 minutos no mínimo de ligação, em que eu ouvida choro e desabafo. Enquanto minha mente me lançava a afirmação de que juridicamente não tinha nada o que ser feito.
Se eu fosse peticionar cada vez que ela compartilhava comigo alguma dor daquele relacionamento antigo, ainda estaríamos litigando e ela cada vez mais cansada de ter que lidar com o processo.
Nesse contexto, foi fundamental aprender e saber ouvi-la, para filtrar o que realmente tinha de ser judicializado.
Aprendemos juntas. Seguimos.
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